quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Maria Isabel Oliveira Sousa Capontes, 71 anos

Ainda se lembra do forno da cal?
- No forno da cal da Queimadinha, eles cortavam lenha, havia um buraco, a rocha era tirada em baixo na pedreira, acartavam, era uma camada de lenha, uma camada de pedra, uma camada de lenha, uma camada de pedra, uma camada de lenha, e depois pegavam lume de baixo para cima, pois eu vi, estava em baixo uns homens a tirar a pedra cozida para fora e lhe deitando água, que era para a pedra derreter, eu sei que eu vi muitas vezes com o meu pai trabalhando lá.

Onde trabalhava o seu pai?
- Era em baixo, na altura ele abrasou-se, abrasou-se nos braços ou... abrasou-se lá no tirar a rocha conforme ia caindo de cima para baixo, eles estavam por baixo, como tem ali, naquele de acolá. Era igual. Aquele de acolá e o de lá de cima era igual. Tanto eu vi acolá como vi lá em cima.

Havia mais alguém da sua família a trabalhar nesse forno?
- E depois era famílias, como a minha mãe, era pobrezinha, e o José Ponte aqui em cima, a mãe do José Ponte e outras famílias. A igreja do Rosário foi feita com essa cal, de lá. A gente acartava-se, ia-se lá buscar, levava-se o que agente se podia, eu mais a minha mãe e os que podiam. Subia-se, atravessava-se isto por aqui a baixo, pelos Barros para lá, até ao Foro, do Foro subia-se à Terça, e da Terça ia-se para o Rosário, sempre a acartar cal. Quer dizer, não era todo o dia, era um caminho por dia que se dava, para poder se ganhar qualquer dinheiro.

Quantos homens trabalhavam no forno da Queimadinha?
- Ah! Isso então aqui não tenho a certeza. Eu sei que trabalhava mais homens, mas os homens que eram não tenho... E já os homens que morreram em baixo, estavam a tirar a rocha.

A senhora conheceu-os?
- Conheci. Era o Manuel Gregório, daqui, que era o sogro do “Perdido” e o pai do... o marido... o pai daquela Teresa acolá, do senhor Manuel, acolá, chamava-se o “Pai do Queridinho”, o “Queridinho” está em Londres, que era o marido da “viuvinha do Lombo”, que chamavam à mãe da Teresa era a “viuvinha do Lombo”. Eles morreram no dia do Sagrado Coração de Jesus.

Ainda se lembra desse dia?
- Eu ainda era pequena. A gente ia-se, eu mais a mãe, ia-se para a Ribeira Grande cascar vimes e a gente ia-se ali, de manhã, ia-se com a senhora Laudina, o senhor não conhece mas a senhora daquele tempo trazia gente a acartar vimes para depois fazer cestos e fazer campas e aquilo tudo. A gente ia-se para a Ribeira Grande quando se era ali ao descer, agora tem a estrada mas antigamente era o caminho velho, a casa da mãe do tio José, o caminho era por ali para lá, da Teresinha Madeira, era por aí para lá, e a gente estava-se por aí para lá, quando eles a gritar acolá no palheiro do boi que tinha morrido duas pessoas na pedreira. Mas foi-se trabalhar, depois foi quando se soube que era o Manuel Gregório. Olhe, eu aqui não sei se era Manuel Gregório se era João Gregório. Aqui já não tenho bem a certeza. E o pai do “Queridinho”. E estavam a tirar rocha, e veio aquela peça... estavam numa furna a tirar rocha e veio uma taipa de cima para baixo. Os que puderam fugir, um acho que ainda ficou enterrado pelas pernas e os outros dois ficaram dentro da furna, afogaram. Tiraram-nos, mas morreram nessa altura. Isso cá eu lembro-me bem, já era uma raparigota.

Depois disso deixaram de trabalhar na pedreira?
- Continuaram. Nessa altura a cal era por conta do senhor Jana. Tiravam a cal era por conta do senhor Jana, porque quando eles abriram esta estrada aqui, ele ainda tirou a cal que era para levar lá pedra. Ele é que abriu esta estrada aqui só por causa desse forno da cal, da pedreira, já não era o forno, deixaram de cozer cal. Já era a pedreira para tirar rocha para levar para outros lugares.

Quando foi que isso aconteceu?
- A pedreira começou a funcionar anos depois, depois do senhor Jana resolver a tirar mais rocha e foi quando abriu esta estrada daqui lá cima. Olhe quando ele abriu esta estrada aqui talvez já tem uns quarenta anos, eu já tinha a minha casinha aqui, e a minha filha mais velha fez quarenta e seis ou quarenta e sete e ela tinha um aninho e tal quando se veio para aqui.

Como funcionava o tear?
- O tear era dois paus, assim sobre o comprido, e fazia outro pau assim, dois paus atravessados, um em cima e outro em baixo, em baixo fazia outro, fazia coisa... e tinha dois... setas, à moda de duas setas. E tinha um... na ponta fazia um buraquinho e eles metiam um atilho naquele buraquinho e noutro, que era para amarrar para cima para os liços, e conforme se mudava os pés, os liços, e em cima fazia outra, e fazia uma tornilha... acho que era assim, com o fio também estava metido lá e é que abria os liços para meter o algodão, para meter o retalho, para meter o linho, para meter o algodão para fazer favo, era isso tudo assim, e em cima fazia outro órgão onde se embrulhava o algodão. Embrulhava-se o algodão. Vinha o algodão de cima para baixo e metia-se neste liço e a seguir punha-se os fios assim trocados, assim na mão, e depois metia-se um neste lado e outro no fio da frente e ia-se fazendo sempre assim, sempre assim, da largura que a gente queria, o tapete ou a toalha ou uma coisa assim, e depois ia-se enrolando aqui conforme ia tecendo. Tinha um buraco aqui, no cabo do pau, um buraco aqui, um buraco em cima, que era para se meter uma turquês para se ir enrolando. Acolá para descer o algodão para baixo e este aqui para se ir enrolando o que a gente ia-se tecendo em baixo, e ficava aqui em baixo, conforme enrola, ficava aqui em baixo, e o tear era assim.

Que outros aparelhos eram necessários para tecer?
- Tinha outros aparelhos diferentes... Oh cão...! Que já não me lembro como era aquela coisinha pequenina... Tinha a dobadoira, que era de dobar o algodão para pôr em novelos, tinha... Ah! Era uma coisa pequenina... A mãe, Deus lhe dê o céu, tinha uma tábua assim, onde fazia-se, chamava-se o cincho ou... Uma coisa assim, fazia-se assim com a mão e ia-se fazendo a canelinha já dobando, a mãe tinha a passadeira, que era a tal que passava com uma tabuinha assim, punha-se um caninho de cana por dentro, quando eles faziam aquelas canelinhas todas para fazer o linho, para fazer favo. Era só para isso assim. O retalho cá era com uma cana, embrulhava-se era o retalho no que se chamava “cevadas”, e ia-se passando sempre assim e assim... A mãe tinha a coisa de fazer canelas... Tinha a dobadoira, tinha o pente, que é um pente de pôr em cima para o algodão descarregar, com muitas caninhas, assim, com muitas caninhas... A prima acolá em baixo tem isso tudo, a mãe também tinha isso tudo.

Onde faziam os fios usados no tear?
- O que se fazia com essa coisa com dentinhos... Primeiro enrolava-se acolá, uma puxava acolá e outra puxava aqui, que era para depois ficar as ramelas acolá, para ficar duro, para não ficar bambo, para o algodão não ficar bambo. Depois disso, punha-se a tal com os tais dentinhos assim à frente, para o algodão descansar, para depois ir metendo aquilo nos liços.

Havia muitos modelos de tapetes?
- O que fazia com o tear era tapetes de retalhos, a mãe, Deus lhe deu o céu, fazia com novelos, fazia com flores, fazia com “lagatinhos”, eu tinha também um com “lagatinhos”. Isto aqui chama-se riscas casadinhas, este aqui é igual, mas eu tenho aqui um.. chama-se espingardas, começava aqui estreitinho... começava aqui largo, acabava aqui estreitinho, começava uma aqui largo, acabava aqui estreitinho, novelos, flores que faziam em tapetes.

Além dos tapetes de retalhos, o que faziam com o linho e o algodão?
- E quando era linho, era linho a urdir acolá, era linho a urdir, linho daquele tempo que eles semeavam, e gramavam, e fiavam, era linho e embrulhavam o linho acolá e depois fazia-se as canelinhas e essa passadeira é que passava o linho, já não era retalhos, era linho igual, chamava-se toalhas de linho, e quando era favo, era favo, às vezes era algodão a urdir e linho a tapar, conforme eles queriam, e se eles queriam tudo branquinho era linho... era algodão acolá e algodão aqui a tapar. Ficava branquinho. Era favo, mas então cá eu nunca vi tecer.

As peças eram depois vendidas?
- Vendiam. Era acolá em baixo. Algodão, favo, era tudo toalhas... pessoas que mandavam tecer, encomendas...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Teresa de Jesus Diniz, 87 anos

Qual era a sua arte?
Eu cá então era só tapetes. Já quando eu comecei era tapetes. Mas a minha mãe tecia linho e aquelas coisas de... favo. Era tudo tecido, mas era em favo. Era o nome das toalhas que teciam. Eu cá então foi só tapetes. Já quando eu entrei, já quando eu aprendi já não... a mãe já não tecia favos nem... já não aprendi aquilo, foi só tapetes. Mas ainda estive mais de vinte anos, mais de trinta anos a tecer.

E a senhora ganhava algum dinheiro?
Aph! Naquela altura o senhor não sabe que as coisas não davam, não serviam de nada. Era a fazenda e aquelas coisas que depois não dava para nada.

O que é que a senhora fazia?
Eu tecia, punha o preço no algodão e no meu trabalho, é que lidava os tapetes, para vender. Sabe que nem toda a “estacia” tinha linho. Tenho ali um rolo de tapetes se quiser tirar retratos...

Tinha alguém que a ajudava?
Eu cá trabalhava era só... sabe que no tear é uma pessoa só que trabalha. Eles é que faziam os retalhos e vinham trazer, depois eu tecia e eles levavam, pagando.

Havia mais teares nos Lameiros?
Teares, a Candinha tem o dela... Bem, se o senhor quiser tirar o retrato eu vou ali com a Teresinha, ela deve estar em casa...

Maria Teresa, 78 anos

Como faziam a ceifa do trigo?
- Ajuntava-se muito pessoal para apanhar o trigo, depois apanhava-se às mãos-cheias e dava-se ao ceifeiro para ele roçar, tinha um homem só para acartar o trigo. E a seguir apanhava-se aquela seara de trigo, já amanhã já se ia para outra e depois já se ia para outra e ia-se andando assim... E depois voltava-se atrás limpar o mato, o restolho tudo bem malhado, e amarrar às amassadouras para guardar, para abafar palheiros, porque os palheiros eram todos abafados a restolho. Naquele tempo era assim. Guardava-se o restolho, voltava-se atrás para riscar regos e para plantar rama. Era arrancar adubo do palheiro para a rua, assim em cima das costas como estou aqui e anda pô-lo às costas pela terra dentro, tanto diz eu como a minha irmã, como a outra que está lá fora “entramelada”, a Cristina.

Para que servia o trigo?
- Havia moinhos para moer o trigo e depois amassava-se pão de casa e pisava-se para se fazer sopa e guardava-se a semente. E semeava-se cevada, também se fazia sopa de cevada. Também era malhada...

Quantos moinhos havia?
- Havia um moinho lá em baixo, na Vila, ainda estão lá as paredes... Onde era esse moinho, abaixo da praça.

O que fazia mais?
- Eu andava nos vimes, lá em baixo na praça, a esgalhar vimes e acartar de braçado que estavam lá uns rapazes a aterrar contra a água para grelar para depois serem descascados. Era eu e minha irmã Cristina, que se andava lá as duas. Quando lá numa certa altura, ainda andei nas cascas dos vimes. A seguir já para baixo já não arranjaram mais, já era aqui em cima na Corrida que havia outra vez, essa coisa de vimes foi inté ao buraco da Ribeira Grande, bem ao cabo, ao pé da casa do velhinho... (esquece-me o nome) o Manuel dos Ramos. Fui até lá cascar vimes. E acartava-se depois de descascados pelo Lombo das Faias.

Os vimes serviam para quê?
- Os vimes serviam para cestos de vindima, para tampas, para obras, armários como ainda tenho para acolá um que também é de vimes, aqueles miudinhos, faziam um cestinho como aquele que está naquele canto, aquele. Era tudo para obras, tudo... E se um fosse apanhado a cortar um vime da serra de outro, para amarrar um molhinho de erva, era um levação que se lixava, e para dar ganho, bom, tinha-se que se avergar o serrote dois ou três dias para pagar o raio dos dois viminhos assim pequeninos para se amarrar um molhinho de erva para a gente. Não era nada de vimes grandes, eram aqueles pequeninos, dois viminhos amarradinhos, pronto, lá se ia embora. Comi lá umas vergalhadas que me derem que, não sei como não me mataram mesmo...

Cantigas de antigamente:

Chame da rua, chame o meu bem, que eu vou ir ao marco uma bolia... (o fôlego já é pouco...)
E dá-lhe??? que eu era nova, ao meu bem que eu, se era velha lá ia...

Cantiga da ceifa:
Vamos apanhar o trigo,
vamos lhe fazer a sesta,
vamos apanhar o trigo,
vamos lhe fazer a sesta,
para que o dono não diga,
que raça de gente é esta
Ai, ai ai que raça de gente é esta.