sexta-feira, 28 de maio de 2010

Maria Conceição Capontes, 76 anos

Fotografia: Casa da Cal do forno do Barrinho.

A senhora ainda se recorda do forno da cal?
- E depois quando era para eles ir lá, que o forno cozia 24 horas, aquilo não havia dias santos, era domingos e tudo, e depois eles iam lá puxavam aqueles ferros, aquela pedra caía toda para baixo, os homens iam juntando em cestos e botando assim espalhada pelo forno dentro. E depois, eles pegavam, tinha homens a acartar água, tinha um poço, ainda há de estar lá, e.. eles deitavam água naquilo e eles pegavam com os aguadores e iam deitando água na cal. Depois aquilo, ela ia fervendo, é que ia rebentando as pedras. Que, um dia tinha frieiras que não podia andar, o meu pai disse quando lhe fosse lá levar o comer metesse os pés naquela cal. Olhe aquilo estava escaldando, foi escorrendo sangue! Eu vim-me embora, lixei-me. E depois daquela cal estar assim, eles punham uma ciranda grande, amarravam o lenço das mãos assim no nariz e outro dia era para cirandar aquela cal, um do lado e outro do outro, botando aquilo pela ciranda fora, o que era pó caía para baixo e o que era entulha caía e eles tornavam a levar aquilo para lhe dar mais um cozimento. Sim senhores.

Quantas pessoas trabalhavam no forno da cal?
- Trabalhava o pai, estava o Francisco do Pereira, o do Rego, e trabalhava o Agostinho da Candinha, do Cascalho, o pai da mulher do “dezoito”, trabalhava lá. O Agostinho da Candinha era daquela que dava bordados, e trabalhava também lá, trabalhava o tal que eu estou dizendo, o pai da mãe da mulher do “dezoito”, trabalhavam lá nessa altura. Era na pedreira, tiravam a pedra, e depois tinha homens a acartar a pedra de barreleiro para o forno, e depois era assim, e tinha... Eles iam cortar lenha pela serra fora, então o meu irmão Manuel e o Manuel Vicente, que ainda está ali vivo, acartaram lenha dali, do poço do Cabrobeiro, para o forno, davam três... Cinco caminhos por dia, para ganharem 500$00. Era uma vida amargosa. Ora se era duro. E eles iam pela serra fora, e eu ia-lhe levar comer, que eles faziam aqueles cortes de lenha, deitavam pelos corgos abaixo e depois iam acartando para lá para o forno, que aquilo cá era lenha grossa para cozer aquilo. Aquilo levava uma camada de lenha, uma camada de pedra, uma camada de lenha, uma camada de pedra. E aquilo estava vinte e quatro horas a cozer, acolá, e ao depois, ao cabo das vinte e quatro horas eles iam todos. E depois, quer dizer, era uns a tirar a pedra para espalhar, para cirandar, e outros a acartar água de lá de dentro, do poço do Barrinho da cal para eles derreter aquilo. O trabalho do forno era isto.

E a lenha da serra?
- Na serra cá era, tinha homens, mas quer dizer que era, faziam o corte de lenha por sua conta. Já não era por conta do patrão, era por conta deles e depois vendiam a lenha.

O que faziam com a cal?
- E eles acartavam a cal. Não era os homens. Mas tinha-se de falar. Então a gente acartamos cal, acartamos cal de lá para a igreja do Rosário, subia-se ali pela cerca fora. Eu ainda acartei cal para a igreja do Rosário. E eles levavam para a Ponta Delgada e... Os homens acartavam, ganhavam 2$50 para ir à Ponta Delgada, para pôr sete alqueires de cal na Ponta Delgada. Ganhavam 7$50. Era uma vida amargosa, o forno.

O trabalho no forno da cal era muito difícil?
- Ganhavam uma coisa de nada. E para lavar aquelas roupas! Aquilo era uma desgraça, que aquilo não, aquilo... a cal cá... Então a mulher do José Ponte, a mãe desta Alfonsa, acartou cal para a Ponta Delgada, que era o ganho de um e a bezerra, ali... Levavam cal para a Ponta Delgada e ela nunca, nunca... Chegava a casa e nunca tomava banho, e depois ela tinha um cabelo como a Alfonsa, depois foi preciso lho cortar rente e ela andou tantos tempos doente da cabeça enquanto aquilo não crescia. Que aquilo era pegadiço... e na altura não havia sabão para lavar aquelas roupas. A minha mãe ainda chegou a comprar sabonete para se lavar as camisas do pai, que aquilo ficava a pegar que não havia quem tirasse aquele pegamento da cal, aquilo era um trabalho amargoso.

Maria José de Castro, 74 anos

O que se lembra do forno da cal?
- O que eu me lembro do forno da cal, é o meu avó era sócio mais o Sr. Gregório. Mas o meu avó morreu e depois foi só o Sr. Gregório.

Sabe quem trabalhava no forno da cal?
- Quem trabalhava eu já não me lembro. Mas o meu marido é mais velho, talvez saiba.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Teresa de Jesus Andrade, 69 anos

A senhora recorda-se do forno da cal?
- O que me lembro era assim, a gente ia por lá acima, tinha-se medo de se debruçar sobre aquele poço que ficava fundo, que se a gente caía lá dentro aquilo estava fechado, ninguém tirava a gente de lá para a rua. Até tinha medo do forno da cal.

E onde ficava a pedreira?
- Onde tiravam a pedra era diferente. Era do outro lado. E depois foi quando deu aquela quebrada que matou os dois homens.

Sabe nos dizer quem foram as vítimas desse acidente?
- Era o pai da Laurindinha do Lombo, que ainda está viva, João Alexandre, o pai dela, e o João Gregório, que é o pai do Sr. Andrade Gregório que está nas Feiteiras. Morreram os dois nesse dia. E nesse dia lá estava o Agostinho Diniz, o pai do... Acolá, do que se chama João Baleia, o pai dele estava e ele também ainda ficou aterrado pelos joelhos. Ora! E a gente era crianças e ficou-se com medo, tinha-se muito medo de mortes nesse tempo, depois tinha medo a ir por lá acima, marginava-se muito porque se ia à lenha, ia ao mato, naquele tempo era assim.

Quantos fornos existiam?
- O Sr. Jana fazia a cal dele, cozia ali, havia ali um forno de cal no Lombo do Cravo, já o de lá cima quem manejava era do pai da Belica. Nesse tempo. Depois não sei se uniram o negócio, depois já só existia o da Queimadinha, eu só me lembro da Queimadinha.

Para onde levavam a cal?
- Ai meu Deus! Pois a cal seguia onde fizessem um prédio era levada às costas, até as pequenas e mulheres levavam. Desde aqui à Ponta Delgada. Também mais longe, uma pessoa a pé não podia andar. Eu ainda levei para a Vargem. Eu só podia com um alqueire de cal, nem sequer sei quantos quilos era nesse tempo. Em cal talvez seja mais peso. Mas era só um alqueire. Já os meus irmãos eram mais crescidos, só o que fazia era aquilo queimava muito as mãos, eram mais crescidos, já eles já podiam levar dois alqueires e não era mais. E quem era homem podia levar três ou quatro. A cal era pesada. A cal era mais pesada do que o grão dos cereais.

Para que servia a cal?
- Era só quando estavam fazendo o prédio. Por exemplo, fizeram ali uma casa onde o Sr. Padre dorme, vive, que é a casa paroquial, fizeram lá um prédio, eu mais os meus irmãos levamos cal para lá. Mas não era só nós. Era como numa romaria. Era só nas férias da escola, não se fazia aquilo nos dias da escola.

Ainda se recorda quanto é que recebia?
- Era um escudo. Um alqueire de cal era um escudo. Quem levasse dois alqueires era dois escudos. Era assim. E chegávamos lá já estava sempre o pagador para pagar. Voltava-se com aquele troquinho todos contentes (risos). E trazia-se para casa, não se o comia pelo caminho, que os pais, a mãe tinha que... Era só dispor dos filhos e não ter... Tinha-se que se organizar.

Sabe porque razão deixaram de produzir a cal?
- Depois o Sr. Jana depois que entrou noutros negócios já não... E depois aquilo ficou abatido com aquela quebrada que matou dois homens. Aquilo já... Depois começou a vir cal do Porto Santo, a cal do Porto Santo abateu, do Porto Santo ou do... Isso já vinha em mais quantia. A daqui deixou de ter aquela vendagem.

E ainda se recorda da olaria?
- Lembra-me que havia o lugar da olaria, mas nunca vi fazer as coisas, porque já daí para cá já estava abandonada. Quer dizer, depois que eu me lembro já a olaria estava abandonada.

Lembra-se das peças que produziam?
- Diziam que faziam telha e coisas de barro, mas eu nunca vi as coisas nem nada. Não vi, não posso dizer outra coisa.

Onde é que se localizava a olaria?
- É nos Lameiros, sabe que há ali aquele armazém que pertence a um irmão deste... daqui... o Tecla, que é aquela rapariga que está doente, que é da... aquela rapariga de Boaventura que tem estado em tratamento, aquela cerca grande que ela planta, agora a mulher não pode, mas plantava, tem lá um armazém e atrás tem um armazém que pertence à... uma irmã.... uma tia do Sr. Oliveira, que ela nunca vendeu, que é um armazém e uma cerca, e depois tem o camalhão da levada e a olaria ficava mais para o lado, para o lado do avesseiro. Era ali.

Maria Gregório de Oliveira, 79 anos

A senhora ainda se recorda da produção da cal?
- Sou filha do dono daquilo, do Forno da Cal. Nesse tempo era como se chamava, era uma empresa, era onde as pessoas iam ganhar o seu dia, os homens, havia muitos trabalhadores, muitos homens que iam para lá trabalhar, uns iam para a lenha outros iam tirar a pedra para cozer, coziam, preparavam aquilo tudo para cozer a lenha, a cal, a pedra, e depois tiravam do forno, tiravam a pedra e espalhavam no chão do forno e deitavam água por cima, para aquilo se desfazer para ficar em cal, para ficar a cal. Era peneirada, depois, ficava uma parte em pó, outra em pedra, que era para pintar as casas, as casas naquele tempo eram pintadas com a cal. Depois desfaziam a pedra para pintar as casas. E faziam a calçada toda, olhe isto aqui foi isso tudo com pedra de lá, sim. Foi de lá.

Havia muitas pessoas ligadas a esse trabalho?
- Muita gente trabalhava lá. As mulheres iam levar o comer aos homens que andavam lá e eu também ia levar ao meu pai. Ainda se fazia a venda. A mãe ficava na venda e tinha a minha irmã Belica... mas eu era a mais dedicada que ia lá levar o comer.

Como faziam para vender a cal?
- Para vender iam, iam mulheres e tudo. Aquela do, ela é que se lembra disso, a Alfonsa, ela não disse que ainda criou um casco na cabeça de acartar as sacas de cal. Iam até à Ponta Delgada levar. O transporte era a pé. E para o Rosário, para a igreja do Rosário. Era assim, era tudo a pé.

E recorda-se do acidente da pedreira?
- Lembro-me de quando caiu a quebrada, que morreram dois homens. Um chamava-se João Gregório e o outro, como era o nome do outro, Manuel do Lombo... deve ser Diniz, eram ambos do Cascalho. Foi uma quebrada. Estavam a furar e caiu a quebrada e ficaram atupidos, ficou lá a bota de um. Só depois de uns tempos é que encontraram a bota lá dentro da rocha.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Teresa Gregório de Andrade, 84 anos

A senhora ainda se lembra da olaria?
- A olaria foi feita vai-se por uns noventa anos, mais ou mais, não tenho bem a certeza, deve ser a olaria feita há noventa anos, ou mais, e depois da olaria estar feita, para fazer o barro tiravam acolá mesmo naquela terra que está em relva, que é do José Manuel ali em cima, que é dos da cal, que até era de uns senhores das Feiteiras, tiravam o barro lá e traziam para a eira, e na eira é que faziam a mistura e amassavam. Amassavam o barro na eira e depois levavam o barro para lá para fazer as formas.

Quais eram as peças fabricadas?
- Uma púcara... Faziam púcaras, faziam alguidares, faziam ressalgas e faziam infusas, aquelas infusinhas que só têm aquela coisinha de ir buscar a água com a asinha.

Para que serviam essas peças de barro?
- As infusas era para acartar água, que naquele tempo ninguém tinha água em casa, para ir buscar água onde era uma fonte, uma nascente, para a água conservar fresca dentro daquela púcara. Ainda me lembro de a Sra. Viúva tinha uma, e aqui em baixo, a do Sr. Januário também tinha uma e agora não sei se isso já acabou se não. As ressalgas era para salgar a carne do porco, que não havia congeladores. As púcaras era para deitar as banhas que eles derretiam do porco, e conserva bem nas púcaras, para deitar sal, o que fosse preciso, para conservar. Os alguidares faziam em grandes que era para quando as pessoas traziam gente pela fazenda, e faziam mais de entremeio para servir em casa e faziam pequeninos, faziam de todo o tamanho, os alguidares faziam de todos os tamanhos. Faziam umas travessas, umas travessas de barro assim compridinhas, com uma asinha de cada lado, isso então ainda me lembro de as ter ali... Aquela travessa servia para levar para o quarto de jantar quando tiravam o almoço, que naquele tempo eles coziam muito feijão e semilhas e batatas e depois aquilo era escorrido numa tampa e depois levavam para o quarto de jantar. A senhora punha aquela travessa assim no meio da mesa com uma toalha e voltava-lhe a tampa em cima e ali ficava o comer para irem comendo, não era com pratos (risos). Faziam umas tacinhas, a tacinha então não tinha asa, era uma tacinha redonda, não sei se se lembra, em tempos havia de vidro... faziam as tacinhas de barro também, umas maiorinhas e outras mais pequeninas, e aquilo depois ia para as vendas para eles venderem.

O olaria funcionava durante todo o ano?
- Eles faziam durante o Verão, que era onde dava melhor jeito, os dias maiores e de bom tempo, também, para arderem lenha. No Inverno fechavam.

Lembra-se porque deixou de funcionar?
- Isso depois, no resto, não deu muita vendagem. Fechou porque o barro não tinha saída, fechou. Esse senhor também foi lá para a vida dele, depois casou e foi para a vida dele, e estes daqui não sabiam fazer e acabou.